entrevista

'É preciso investir na educação básica', diz especialista em educação sobre realidade brasileira

da redação

Foto: Pedro Piegas (Diário)

O direito à educação e a construção da cidadania foram os dois principais elementos discutidos, durante três dias, em Santa Maria. Na sexta-feira à noite, no encerramento do 8º Congresso Internacional de Educação, promovido pela Faculdade Palotina (Fapas), a professora Rosa María Torres falou sobre "o direito à educação e aprendizagem ao longo da vida". 

Especialista em educação básica, Rosa María é pedagoga, linguista e jornalista educacional. Foi ministra da Educação no Equador entre 2003 e 2004 e trabalhou em diversos países. Foi, ainda, diretora pedagógica da Campanha de Alfabetização "Monseñor Leonidas Proaño", no Equador, entre 1988 e 1991, e assessora educacional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com sede nos Estados Unidos.

Na sexta-feira, Rosa María conversou com o Diário e destacou o momento pelo qual a educação brasileira vem passando. Ela defende que é preciso investir mais na educação básica, que é a base para o desenvolvimento infantil do zero aos 5 anos. Para a especialista, os países da América Latina ainda se preocupam mais com o Ensino Superior público do que com a formação básica de crianças e adolescentes. E aponta que o Brasil é um exemplo claro das desigualdades entre a educação pública e privada.

Diário - Como funciona o novo paradigma para a educação no século 21?

Rosa María Torres - Chama-se aprendizagem ao longo da vida. É algo que a Unesco vem implantando desde os anos 1970 e 1980 no mundo como novo paradigma de educação do século, que é reconhecer que toda pessoa aprende, desde que nasce até a morte. O objetivo da educação é aprender, e temos uma dificuldade muito grande, em todo o mundo, uma crise no ensino. Muitas pessoas vão à escola mas não aprendem, muitas vezes, porque o sistema não é adequado e não ajuda nem crianças, nem jovens e nem adultos. Nós temos uma crise muito severa na aprendizagem, porque o objetivo da educação é aprender. A missão de um professor não é apenas ensinar, a missão é se certificar que os alunos aprendam. E boa parte da responsabilidade da aprendizagem recai sobre o professor - não toda -, mas os professores têm uma responsabilidade em aprendizagens significativas. Outra coisa é o reconhecimento de que o sistema educativo não é o único sistema de aprendizado. Aprendemos fora das aulas, aprendemos na família. Muitos países da América Latina enfatizam a educação superior, o Brasil é um deles. Na realidade, na universidade, chegam muito poucas pessoas. No caso das crianças, elas precisam ser atendidas nos primeiros anos de vida, é a etapa mais importante da aprendizagem. E os nossos países fazem exatamente o contrário: pouca prioridade na primeira infância. Isso significa que é preciso mudar as políticas. Devemos investir fortemente em primeira infância, isso significa investir na família. Bem-estar familiar para que as crianças possam crescer bem, dormir bem, se alimentar bem. O Brasil é um claro caso do avesso de tudo isso.

Diário - No Brasil, há falta de professores, profissionais com salários atrasados, além da falta de vagas na educação básica. Isso afeta na qualidade da educação?

Rosa María - Investir em professores e qualidade profissional e qualidade de vida dos trabalhadores da educação é fundamental para mudar, melhorar a qualidade da educação. Não é o único fator, mas é um fator claro. Há uma pesquisa de 2018 da Fundação Varkey - que dá prêmios anualmente ao melhor educador do mundo. Recentemente, a pesquisa abordou a percepção das pessoas de quanto a figura do professor é respeitada em seu país. O país que menos respeita os professores, no mundo, é o Brasil. São 30 países que participam da pesquisa, e o Brasil é o pior.

Diário - O que fazer para melhorar essa crise na educação e essa valorização do professor?

Rosa María - Primeiro, o professor é um fator importantísismo da educação no meio escolar. Não queira mudar a educação na escola sem passar pelo professor. Não há nenhum computador que substitua o professor em uma sala de aula. Lembrando que também se aprende em casa, na comunidade, no trabalho, lendo, escrevendo... Mas se falamos de sistema educativo, então temos que falar de professor e suas condições de trabalho, como salários, formação - eles têm que estar bem formados -, nos objetivos de desenvolvimento sustentável. Uma meta é contar com professores qualificados. O professor precisa de condições aceitáveis de trabalho.

Diário - A senhora tem acompanhado as notícias na área da educação no Brasil e o anúncio de cortes que vêm sendo feitos pelos governos?

Rosa María - O Brasil tem um sistema educativo ruim, com todas as letras, e isso é dito por especialistas daqui. É um país extremamente desigual, assim como a América Latina, onde há os mais ricos e os mais pobres. O Brasil é uma expressão claríssima dessa desigualdade e parte disso é o sistema educativo, que não ajuda os mais pobres a sair da pobreza. O que é um bom sistema educativo para qualquer pessoa? É um sistema que acolhe, onde você se sente bem, gosta de aprender, tem professores que ajudam e não castigam, não há medo. Depois, entram os conteúdos, mas tem que se sentir bem porque, com medo, ninguém aprende. O bom professor, em todos os níveis, é fundamental. O Brasil tem um problema adicional, a boa educação superior é pública, generalizando, e é nesse local onde estão as pessoas com mais dinheiro, está tudo ao contrário. Não é só a riqueza que está mal distribuída e, sim, as oportunidades de aprendizagem. A mim não parece o mais grave o corte da educação superior se não a falta histórica de atenção e priorização de educação no Brasil com as políticas corretas. Tem que atender a primeira infância e romper esse ciclo de desigualdade, e isso não vai mudar somente com a atenção superior. É preciso atenção com a educação superior, mas é preciso ter muito mais atenção ao desenvolvimento infantil. O Brasil só fala de educação superior. 

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